1 - NA FORTALEZA VERMELHA
Tudo aconteceu conforme o esperado. Pontualmente, às 09:00 horas da manhã do dia 11 de
abril de 1928, Otto era levado para o salão de audiências, quando um grupo de jovens, disfarçados de estudantes de direito,
portadores de pistolas descarregadas, dominaram os policiais e soltaram o preso. Olga foi a única da operação que foi reconhecida,
mas ela e Otto conseguiram fugir imediatamente para Moscou.
Ao chegarem na capital soviética, Olga e Otto Braun foram para o Hotel Desna, onde ela
logo notou que, por curiosa coincidência, exatamente há cinco anos atrás ela entrara pela primeira vez numa organização comunista.
Esta primeira vez foi em Munique, sua cidade natal, em 1923, logo depois de seu 15ª aniversário,
quando a Juventude Comunista entrara na clandestinidade. Olga teria sido recebida, a princípio, com muita desconfiança, por
ser filha do advogado Léo Benário, um burguês de personalidade influente no Partido Social-Democrata local, porém destacou-se
como a mais eficiente da turma, se integrando em pouco tempo.
Olga foi apresentada à Otto Braun por uma amiga. Ele trabalhava secretamente como agente
soviético. Olga encantou-se com Otto e começaram a encontrar-se com mais freqüência, o que resultou no namoro. Com as longas
conversas entre os dois, decidiram-se mudar para Berlim, especificamente para Neukolln, o bairro operário de Berlim, a "Fortaleza
Vermelha" da esquerda alemã.
Foram quase três horas de discussão com seu pai. O beijo de despedida que ele lhe deu
à porta de casa dizia que, no fundo, ele talvez fizesse o mesmo em seu lugar.
Durante o café da manhã, Otto explicou que o seu trabalho clandestino para o partido implicava
certos cuidados que envolveriam a ambos e, então, comunicou que os dois teriam uma nova identidade. Otto Braun se chamaria
Arthur Behrendt e Olga Benário passou a ser chamada de Frieda Wolf Behrendt, sua esposa.
Durante o dia, reuniões, passeatas e atividades de rua; e à noite, assembléias nos fundos
do velho prédio da rua Zieten, onde funcionava a cervejaria da família Muller que, à noite, se transformava em sede da Juventude
Comunista do bairro. Esse mesmo salão dos fundos, onde se realizavam atos políticos duas vezes por semana, era transformado
em sala de aula.
Raramente na semana Olga e Otto conseguiam ficar juntos. O pouco tempo disponível que tinham era gasto em
trabalho. Olga conseguiu, após muita insistência, ser sua secretária. Era ela quem datilografava os textos
teóricos que Otto ditava ou deixava prontos. Esse trabalho ajudou-a a compreender melhor a estrutura interna do Partido Comunista
alemão.
Olga, aos poucos, ia deixando de lado seus preconceitos moralistas devido às conversas com Otto, que a convencia a
se tornar uma mulher mais tolerante. Ela associava a idéia do casamento ao que considerava a pior deformação burguesa: a dependência
da mulher, o sexo obrigatório, a convivência forçada. Mas, essa face rígida demonstrada por Olga não impede que ela continuasse
a despertar a paixão dos jovens.
2 – FRIEDA BEHRENDT É PRESA
Em 1926, Olga foi promovida ao cargo de Secretária de Agitação e Propaganda da Juventude Comunista, não só do bairro
de Neukolln, mas de toda a capital alemã.
A atividade política da esquerda crescia na mesma proporção em que a direita se organizava. O grau de estruturação
do Partido Comunista na sociedade é comparável ao de um Estado. A segurança das sedes do partido, dos documentos dos dirigentes,
era garantido por uma espécie de Ministério da Defesa em miniatura.
Para cada área de produção da sociedade, existia um departamento correspondente na estrutura partidária,
com especialistas de todos os tipos.
O trabalho realizado pelo núcleo de Neukolln era sempre um exemplo de eficiência e dedicação a cada comunista. Neste,
destacava-se a figura da jovem Olga Benário. Temendo que a Polícia desconfiasse da dupla identidade de Otto e que tentasse
chegar a ele por intermédio da namorada, o partido aumentou a segurança em torno dela.
Certo dia, começo de outubro de 1926, Olga voltou para casa mais tarde. Um tempo depois que chegou, ouviu baterem à
porta e imaginou que Otto tivesse esquecido a chave. Abriu e deparou-se com 2 policiais. O mais velho exibiu-lhe um documento,
comunicou-a que estava presa e pediu-lhe para os acompanhar. Na verdade, quem eles, de fato, procuravam era Otto Braun.
Logo que a incomunicabilidade foi suspensa, Olga recebeu a primeira visita. A Juventude Comunista de Neukolln elegeu
Gabor Lewin, um dos membros da direção, para visitá-la e levar-lhe um riquíssimo farnel.
Na manhã de 2 de dezembro, exatos 2 meses após sua prisão, o carcereiro abriu a porta da cela e ordenou-lhe que arrumasse
suas coisas, pois ela estava em liberdade por ordem do promotor do Supremo Tribunal. Agora, ela sentia um forte pressentimento
que ficaria sem Otto por muito tempo. Entretanto, a atividade política era o melhor remédio para a angústia e a ansiedade.
A saudade e a preocupação eram, contudo, muito fortes e foram fulminantes para que ela decidisse ousar a falar com
o diretor da prisão, abdicando o direito de visitá-lo pelo menos uma vez por mês, de levar-lhe alimentação especial regularmente
e, por fim, requeria licença para uma visita extra no Natal que se aproximava. A resposta foi dada no mesmo dia. Seu pedido
foi negado por não se tratar de um preso político apenas, mas sim, um acusado de alta traição e, portanto, não teria direito
a privilégios. Só no Natal, segundo a lei, ele poderia, como qualquer preso, receber visitas e alimentos num pacote de 5 kg, no máximo. Quanto ao pedido de visita regular, estava recusado. Com
isso, Olga, enfurecida, afirmou que Otto só sairia da prisão à força.
Por meio de um ofício "ultra secreto", o Ministério do Interior transmite à direção da Polícia Nacional a suspeita
de que Frieda Wolf Behrendt e Arthur Behrendt fossem, na verdade, Olga Benário e Otto Braun, "amantes e cúmplices" em um processo
de alta traição.
O agravamento da situação judicial da filha logo chegou aos ouvidos do advogado Léo Benário, em Munique, que decidiu
agir. Através de um requerimento dirigido ao Chefe dos promotores públicos do Supremo Tribunal de Justiça do procurador Neumanar,
o pai formulou um comovente apelo, solicitando a exclusão da filha do processo movido contra Otto Braun. A resposta seca do
promotor chefe dava mostras de que o Judiciário alemão não se sensibilizara com os argumentos paternos do Dr. Benário.
Olga apavorou-se, pois sabia que aquele não seria jamais um processo regular devido à nomeação de um homem de extrema
direita para a chefia do tribunal. Com o julgamento, o que se pretendia era comprometer o partido comunista aos olhos da opinião
pública. Logo, Olga pensou que Otto não poderia ser julgado. Contudo, a prisão de Moabit não era uma prisão qualquer, era
uma fortaleza de alta segurança. Olga sabia que, caso existisse uma única chance de arrancar Otto de Moabit, esta seria quando
Otto fosse transferido da sala de espera para o salão de audiências. Então, houve todo um planejamento junto ao partido, de
como eles agiriam no dia 11 de abril.
3 – A SUA FRENTE, O “CAVALEIRO DA ESPERANÇA”
Depois de se instalarem no Hotel Desna, Olga e Otto foram transferidos para um edifício destinado aos jovens estrangeiros
do KIM.
Duas semanas após ter chegado a Moscou, eles vão assistir ao enceramento de um curso político dado pelo KIM. Quando
a cerimônia chegava ao fim, Olga foi chamada ao palco, muito aplaudida, ela confessou:
- Eu gostaria que soubessem que ali eu cumpri duas tarefas: uma do partido e outra do meu coração.
Após isso, Olga se consagra. Ela progride cada vez mais e com isso a carga de trabalho aumenta. Não mais sobrava tempo
para Otto, então, este sugeriu que partissem para as férias, que haviam sido concedidas pelo partido, após a operação de Moabit.
Ela surpreendentemente negou, devido a carga trabalhista e Otto reagiu com explosiva crise de ciúmes.
Como seu passaporte havia vencido, Olga procurou saber como estava sua ficha policial em Berlim. Ela soube que todas as acusações de "alta traição à pátria", impostas a Otto Braun,
foram transferidas para ela, mas que apesar de ser uma "comunista procurada" e de "alta periculosidade", ela ainda era uma
cidadã alemã e, por isso, um mês depois chegou seu novo passaporte.
No final de 1931, Olga seria escalada para sua primeira missão internacional, em Paris. A notícia de que Olga ficaria fora por tempo indeterminado devido a uma operação internacional,
foi a gota d’água para Otto. Eles romperam o romance e Otto contou que tinha outra mulher. Foi quando Olga percebeu
em si, pela primeira vez, o sentimento que tanto condenava no companheiro: ciúme. E é remoendo-se de ciúme que ela viaja para
Paris.
Voltando a Moscou, recebeu a notícia de que lhe haviam dado o mais alto cargo da hierarquia de uma organização comunista.
Tinham acabado de aclamá-la como membro de seu Presidium, por unanimidade. Um prêmio veio logo em seguida: Olga foi escolhida
para um curso de pára-quedismo e pilotagem de aviões. Após uma simulação de vôo, ela ouviu um latino-americano contando o
caso da "Coluna Prestes" e ficou impressionada com sua desenvoltura: havia percorrido 25 mil quilômetros a pé, enfrentando
tropas regulares de um governo "ditatorial", com o fim de derrubar o governo, e que terminou sem conseguir o intento, mas
também sem sofrer uma única derrota. Não imaginavam eles que Prestes estava ali mesmo, em Moscou, a poucas quadras de distância
donde se encontravam.
Prestes estava trabalhando como engenheiro. A vida de sua família era muito difícil, devido a recusa de várias regalias
oferecidas a ele pelo governo soviético. Nas horas vagas, ele visitava conferências ou reuniões do partido comunista e foi
num desses encontros que ouviu falar em Olga pela primeira vez.
Os momentos de divertimento da família Prestes eram raríssimos. Contudo, no final de 1934, foi promovida uma festa
na casa de Prestes para comemorar a entrada deste no partido comunista brasileiro, o mesmo que o cortejara e depois o rejeitara
em seguida, e que agora havia sido obrigado a aceitá-lo devido a um telegrama enviado de Moscou. Então, brevemente partiria
ao Brasil para realizar uma Revolução Comunista.
Olga foi chamada pelo secretário à sede do Comirtern e soube que viajaria com Prestes para o Brasil para a segurança
do mesmo durante a viagem.
4 – LUA DE MEL EM NOVA IORQUE
Prestes e Olga vão para Leningrado, onde chegam às 8 horas da manhã do dia seguinte. À noite, partem para Helsinque,
e de lá, para Estocolmo. Olga, por medida de segurança por causa dos passaportes, decide que irão passar a noite em Amsterdã
onde um contato poderia fornecer-lhes documentação segura. O casal ficou três semanas a espera do contato em Amsterdã, e achando
perigoso ficar tanto tempo em um só lugar, decidiram partir assim mesmo para Bruxelas.
As três primeiras semanas de viagem permitiram que o casal se conhecesse melhor. O medo de serem descobertos e presos,
levou Olga a querer sair também de Bruxelas, tomariam um trem até Paris. Viajariam como um rico casal em lua-de-mel.
O contato que perdera em Amsterdã e Bruxelas finalmente apareceu em
Paris. No dia 8 de março, receberam documentos novos e foram feitos mais alguns ajustes para que parecessem
mais na legalidade. E nada melhor para isso como um visto de entrada nos EUA. O consulado norte-americano em Paris concedeu
o visto sem problemas, e na terceira semana de março, Olga e Prestes estavam prontos para partir, usando as identidades falsas
de Antônio Vilar e Maria Bergner Vilar.
A fachada obrigava Olga e Prestes a intimidades imprevistas. Um casal em lua-de-mel não apenas dorme no mesmo quarto,
mas na mesma cama. Além disso, aproximava-os a afinidade intelectual e política, cada vez maior entre os dois, além do fato
de serem jovens, bonitos e entusiasmados com a perspectiva de estarem às portas da revolução. Para um homem de 37 anos, Prestes
vivera precocemente toda a sorte de experiências políticas: liderara uma rebelião militar, conspirara contra governos, fora
preso e exilado, convivera com os mais importantes dirigentes comunistas na União Soviética. Mas, o rigor, a disciplina e
a dedicação à causa tinham cobrado dele um preço alto: até então, Luís Carlos Prestes nunca tinha estado com uma mulher. A
orfandade prematura levou-o, aos dez anos de idade, a tornar-se o chefe da família. O pouco tempo que lhe sobrava da escola
militar era dedicado aos estudos. A mãe não permitira que ele trabalhasse: preferia ela fazê-lo, com a condição de que o filho
se entregasse aos livros e fosse o primeiro aluno da classe. A vida da família suburbana do Rio de Janeiro era tão difícil
que ele teve que obter permissão especial para andar fardado fora da Escola Militar: Prestes não tinha trajes paisanos para
vestir. Durante a Coluna ele se sentira na obrigação. enquanto comandante, de dar o exemplo de disciplina. E, ao contrário
de muitos de seus comandados, não se envolveu com as mulheres que acompanharam a marcha. A política e a preocupação com a
educação das quatro irmãs tinham-lhe roubado todo o tempo. E se Prestes chegara aos 37 anos sem ter tido uma namorada, uma
paixão, uma mulher, não poderia haver circunstância mais propícia para começar: estava em alto mar, num camarote luxuoso,
acompanhado de uma belíssima mulher, comunista e revolucionária como ele. Quando o Ville de Paris atracou no porto de Nova
Iorque, na manhã de 26 de março de 1936, o que até então era uma ficção, montada pela Internacional Comunista, tinha virado
realidade: como seus personagens Antônio Vilar e Maria Bergner, Prestes e Olga eram marido e mulher. Passaram a lua-de-mel
em Nova Iorque. Pegaram um trem para Miami,
onde iniciaram a viagem para o Brasil, passando por Santiago e Buenos Aires, via aérea. Na Argentina, arrumaram toda a documentação
para entrar no Brasil. Assim, na madrugada do dia 15 de abril, os dois embarcaram no Santos Dumont. Quando o dia amanheceu
o avião já voava baixinho. Ele não possuía janelas, mas pequenas escotilhas, e foi através delas que Olga teve seu primeiro
alumbramento com o Brasil. Habituada à Europa, ela nunca imaginara tal luminosidade - um sol fortíssimo batia sobre o verde
escuro da mata e o azul do mar, divididos pelo risco branco e interminável da areia da praia.
Prestes e Olga desembarcaram em Florianópolis, onde passaram a noite e pegaram um taxi até Curitiba. De lá pegaram
outro, com destino a São Paulo, onde se hospedaram num confortável hotel no Largo do Arouche. Mais tarde Olga se encontrou
com o excêntrico milionário Pavarenti, o qual levou-os para a sua casa de campo no bairro de Santo Amaro. No dia seguinte,
Miranda, secretário-geral do Partido Comunista, recebia a notícia de que Prestes estava no Brasil.
5 – DO MUNDO INTEIRO, RUMO AO RIO
Anúncios em jornais, de esquerda e de direita, dizendo que Prestes estaria retornando ao país, obrigaram Getúlio Vargas
a exigir da polícia política redobrada e rigorosa precaução. Não eram apenas os órgãos de segurança que aguardavam ansiosamente
a volta de Prestes. Desde que a viagem dele e Olga fora decidida, um pequeno grupo de estrangeiros iniciava em várias partes
do mundo viagens discretas e sinuosas. Inclusive um dos membros da equipe, Arthur Ewert, Olga conhecia bem. Junto com ele
estava sua mulher Elise, apelidada de Sabo; o argentino Rodolfo Ghioldi, com o pseudônimo de Luciano Busteros, e sua mulher
Carmem Ghioldi, que inexplicavelmente viajava com seu nome verdadeiro; o norte-americano Victor Allen Barron; os belgas León-Jules
Vallée e sua mulher Alphonsine, com os nomes verdadeiros; o alemão Paul Gruber e sua mulher Érika. A larga experiência da
equipe enviada ao Brasil era a prova da credulidade que a União Soviética tinha na insurreição no Brasil.
6 – COMEÇA A CONSPIRAÇÃO
Assim que chegaram ao Rio de Janeiro, Olga e Prestes se hospedaram num hotel e logo procuraram uma casa para morar.
Escolheram uma na Rua Barão da Torre, nas imediações da casa dos Ewert. Devidamente instalados, encontraram-se pela primeira
vez com seus companheiros na casa dos Ewert, e ali mesmo distribuíram as tarefas iniciais: Erika trabalharia como datilógrafa
na casa de Ewert e, quando necessário, como motorista dos Villar; Gruber, técnico em explosivos, instalaria num pequeno cofre
da casa de Prestes e Olga um violento sistema de alarme, para impedir o acesso de estranhos ao dinheiro e à documentação ali
depositada; Victor Barron, especialista em radiotelegrafia, ficava com a tarefa de construir um radiotransmissor para que
os revoltosos pudessem comunicar-se entre si, internamente, no Brasil e com o Comintern, em Moscou; e León-Jules Vallée e
sua mulher cuidariam das finanças.
Na década de 20, o Movimento Revolucionário da recém fundada Aliança Nacional Libertadora ganhava adeptos das classes
desfavorecidas da sociedade da época.
Seus ideais eram baseados na luta contra o fascismo, imperialismo, subdesenvolvimento e grandes latifúndios. Levavam
em conta os interesses dos operários, comunistas, socialistas, liberais, cristãos e o grande número de militares que já tinham
experiências de revoltas entre 1922 e 1924. Tinha como líder Prestes, que na presidência estimulava a agitação aliancista.
O movimento ganhava força de uma verdadeira revolução. Os aliancistas iam para as ruas, faziam passeatas demonstrando o propósito
de atingir o governo.
O avanço incontrolável da ANL começou a assustar o governo. Uma carta enviada por Luís Carlos Prestes que propunha
uma revolução foi o pretexto para Vargas decretar a ilegalidade enquanto partido. A polícia tentava descobrir o paradeiro
do presidente da Aliança (LCP) que devido a um golpe comunista, conseguiu simular a sua estadia no exterior, o que fez o governo
desviar as atenções dos manifestantes.
7 – A REVOLUÇÃO ESTÁ NAS RUAS
O golpe desferido pelo governo abalou o movimento. Vários dos revoltosos abandonaram a Aliança. A A.N.L. passara a
ser um aparelho clandestino mantido basicamente pelos comunistas revolucionários. Cabia a Prestes executar na A.N.L. as decisões
que o partido tomava.
A predominância do Partido Comunista sobre a Aliança, juntamente com a linha insurrecional, que passou a orientar o
movimento, acarretaria a perda de alguns dos mais valiosos aliados de Prestes.
O tom da carta de Miguel Costa, companheiro da Coluna, é de despedida. Ele propõe a continuação da luta na legalidade,
dando sugestões: a criação de organizações partidárias em cada estado, com programas iguais a da A.N.L. só que com outra denominação.
Prestes envia uma carta para Miguel pedindo para que ele permaneça na A.N.L. e mantém a defesa intransigente da tomada do
poder. Prestes achava que a revolução estava próxima, apesar de não haver o menor indício de revolução.
Jornais conservadores denunciavam a presença de Prestes em vários pontos do país. O jornal que apoiava os comunistas
defendiam-no, dizendo que eles estavam na Europa. O início da revolução foi cedo e de forma imprevisível.
Em 23 de novembro, soldados e sargentos do vigésimo primeiro batalhão de caçadores de Natal tomavam a guarnição militar
da cidade. O jornal Liberdade anunciava que o poder estava nas mãos da A.N.L.,
estava instalado o Governo Popular Revolucionário. Vários fatos se sucederam. Foi um misto de Insurreição política e carnaval.
A revolução só durou 5 dias. Houve também uma revolução em Recife, que durou 48 horas. Olga, Prestes e o resto dos companheiros
se reuniram, para decidirem o que fazer, a respeito das revoltas. Todos eram contra a insurreição, com exceção de Prestes.
Depois de uma grande discussão, foi decidido que se faria a insurreição no Rio de Janeiro, pois Prestes dizia que a Marinha
estava ao seu lado. Decidiram o plano da revolução. Prestes despachou mensageiros para todas as guarnições onde havia oficiais
esperando pela ordem dele para iniciar o levante. Decidiu também que era necessário uma nova casa para ele e Olga, na zona
norte e, de fácil acesso ao complexo da vila militar. Mandou Miranda orientar Barron, para pôr o rádio em funcionamento e
poderem informar ao Comintern sobre a decisão do levante. No momento que os revoltosos tomassem as unidades, bastariam poucos
minutos para que Prestes assumisse, da vila militar, o comando do país.
Prestes redigiu um manifesto que foi distribuído à população, convocando-a para a revolta. Com isso foi admitida pela
primeira vez a presença dele no país. Ele e Olga encaminharam-se para a nova casa. À noite do dia 26 de novembro, Barron ligou
a estação de rádio e transmitiu ao Comintern a desencadeação do levante. A revolução comunista brasileira iria começar às
3 horas da madrugada do dia 27 de novembro.
8 – UM ESPIÃO ENTRE OS COMUNISTAS
A revolução começou às 3hs da madrugada e acabou às 1:30 p.m. Nenhuma das guarnições da Vila Militar se levantou. A
revolta ficou restrita ao 3º Regimento de Infantaria, e foi sufocada em poucas horas.
A rebelião teve suas poucas horas de aparente glória, o que não impediu a intensa repressão por parte das forças do
governo de Getúlio.
O estado de sítio que foi decretado antes da rebelião, se estendeu prolongando consigo a repressão aos comunistas,
que era tão grande que lotou as cadeias em pouco tempo. Mesmo assim, um mês depois de desencadeada a repressão aos comunistas,
os cabeças ainda estavam soltos.
A primeira apreensão destes ocorreu apenas no dia 26/12, foram eles: Arthur Ewert e Sabo. Ao saber de tal fato Olga
e Prestes mudaram de endereço, pois receavam que também tivessem descoberto o lugar onde moravam.
Ewert tinha esperança de que a polícia brasileira não conhecesse sua verdadeira identidade, porém o general Filinto
Muller já a conhecia. Ele a conseguiu com a ajuda do Serviço de Inteligência Britânica.
Junto com uma montanha de papéis, documentos, manuscritos, cartas e bilhetes apreendido na casa de Ewert, a polícia
obteve da doméstica Deolinda Elias informações sobre todos os freqüentadores da casa. Conseguiram o endereço de Prestes, invadiram
sua casa e abriram o cofre, falhando os dinamites colocados neste por Paul Gruber.
Depois deste fato, confirmaram-se a suspeita de Gruber ser um agente duplo à serviço da Inteligência Britânica. A verdade
é que tanto ele como Erika, sua mulher, tinham conhecimento de praticamente todos os planos da insurreição de 27 de novembro.
9 – MISTER XANTHAKY ENTRA EM CENA
Filinto Muller folheou, triunfante, os documentos apreendidos na casa de Olga e Prestes em Ipanema. O acervo encontrado pela polícia na casa de Arthur Ewert não era menos abundante.
No entanto, alguns documentos chamaram especialmente a atenção dos policiais: os relatórios minuciosos sobre a vida pessoal
e as atividades de delegados da polícia política e o salvo conduto dado por Prestes a Berger na véspera da revolta.
Muller passou mais uma vez pela casa de Olga e Prestes, e deu uma enigmática ordem aos investigadores:
- Antes de fechar a casa, desamarrem aquele cachorro que está no quintal e leve-o para o meu gabinete - referindo-se
ao cachorro que Prestes havia dado a Olga.
Muller comunicou a Vargas e ao ministro da justiça o resultado da operação e decidiu confirmar junto ao Departamento
de Estado norte americano a verdadeira identidade de Harry Berger (Arthur Ewert), porém não obteve muito sucesso apelando
para o cônsul dos EUA em Berlim.
Ewert e Sabo resistiam milagrosamente à violência dos policiais alemães e brasileiros que se revezavam incessantemente.
Eles tinham o corpo coberto pelas marcas das torturas. Os policiais brasileiros surpreendiam-se com a resistência dos presos.
No dia 6 de janeiro, Muller anunciou à imprensa a prisão efetuada 11 dias antes, como sendo resultado das investigações
brasileiras, e negando torturas.
Sucessivamente prenderam Miranda (secretário-geral do partido comunista) e Elza, sua mulher, notícia divulgada 4 dias
depois do efetuado. Assim, Olga e Prestes decidiram mudar-se novamente, e desta vez escolheram o Meyer, um bairro operário
que aparentava ser o lugar ideal: longe da polícia. Lá eles morariam junto com um casal também comunista foragidos da polícia:
Manoel dos Santos e Júlia dos Santos. Valeram-se da ajuda de Victor Barron, que ainda não havia sido importunado pela polícia.
Levavam uma bagagem discreta e Prestes passaria a manter contato com Lauro da Rocha, (o Bangu - novo diretor do partido),
através de mensageiros.
O governo norte americano entrou para valer nas investigações sobre a "conexão brasileira", enviando um investigador:
Xanthaky, que falava fluentemente português e espanhol.
A primeira tarefa de Xanthaky foi interrogar Ewert e Elise. Esse ficou impressionado com o que viu na cela. Ewert dramaticamente
enfraquecido, porém ele não acrescentou nada ao investigador, só procurou tirar proveito da situação, pois sabia que enquanto
a visita durasse não haveriam torturas.
Xanthaky, na saída, pediu aos policiais que transferissem Elise para a cela de Ewert, atendendo ao pedido deste, e
procurou saber mais sobre Prestes, porém, a única informação dada pelos policiais, é de que eles tinham ordens de não trazê-lo
vivo.
O investigador transmitiu um minucioso telegrama ao Departamento de Estado sobre a conversa que mantivera com Ewert
e Elise.
10 – MIRANDA E GHIOLDI VÃO FALAR
A polícia descobriu Ghioldi através de Elvira, mulher de Miranda, que o havia reconhecido e denunciado através de uma
foto. Rodolfo, desconfiado de que estava sendo vigiado, estava ajudando, e sua esposa Carmem foram presos no trem quando estava
parado em Jacareí. Na prisão, percebe que Miranda estava
ajudando os policiais e que por isso de nada adiantava mentir. Então ele identifica León-Vallée numa foto. Com isso, os policiais
León na esperança de que ele os levasse até Prestes, mas isso não se concretizou. Rodolfo também deu o nome e endereço de
um americano, Victor Allen Barron (que ainda não despertava nenhuma suspeita dos policiais), e que foi preso mais tarde. Tentou
se defender mas não conseguiu explicar como tinha tanto dinheiro sendo representante da John Reiner & CO, fábrica de motores
de Nova Iorque, e não tinha vendido uma só unidade. Ele foi terrivelmente torturado.
A prisão de um autentico cidadão norte-americano caiu do céu para a embaixada dos Estados Unidos, que ganhava, assim,
um pretexto legalmente indiscutível para intrometer-se ainda mais nas investigações da polícia brasileira. A embaixada americana
destacou Xanthaky para que pudesse interrogar Allen Barron, e encontrou-o em estado lastimável. Ele exigiu da polícia brasileira
melhores tratos a ele, mas isso não aconteceu.
Por fim, Ghioldi ofereceu de presente aos policiais uma informação absolutamente nova: Prestes estava casado com uma
mulher clara, provavelmente estrangeira - pois sempre se comunicava com ele em francês - e que ficava permanentemente a seu
lado. Ghioldi ignorava o sobrenome da mulher, mas tinha absoluta certeza de seu nome: Olga.
11 – DIANTE DE FILINTO, UM NOME: OLGA DE TAL
O delegado Antônio Canavarro, a partir das informações dadas pelo dirigente comunista argentino, Rodolfo Ghioldi, enviou
um ofício ao capitão Miranda Correia solicitando a presença de Olga de Tal no cartório, para prestar declarações.
Ao receber o recado e as novas informações, Miranda Correia logo as transmitiu ao chefe da polícia, Filinto Muller,
que era inimigo de Prestes desde a época da Coluna.
Chegou a época do carnaval. O carnaval daquele ano foi transformado para se adaptar às ordens do chefe da polícia:
não se podia usar máscara ou fantasias e a festa não deveria passar das 22:00 horas. Mesmo assim, Olga, que nunca havia visto
um carnaval antes, ficou deliciada com as marchinhas. Foi uma descontração dentro de uma situação penosa, que só lhe permitia
ir ao banheiro à noite, já que este se localizava fora da casa em que morava, e toda precaução era pouca para que ela e Prestes
não fossem descobertos.
Olga e Prestes ficavam por dentro do assunto dos comunistas quando Manoel, companheiro de moradia, trazia-lhes jornais
incluindo anotações feitas por espiões comunistas infiltrados dentro dos presídios. Um deles chamou-lhes a atenção: os policiais
começavam a desconfiar da existência de espiões na polícia. Enquanto isso a polícia continuava a rastrear Prestes por toda
a cidade.
Depois que ela não obteve sucesso na procura de Prestes na Boca do Mato, partiram a vasculhar o bairro do Meyer, onde
Prestes se encontrava. A chuva era intensa quando os "cabeças de tomate", nome dado aos soldados que usavam um chapéu vermelho,
chegaram à Rua Honório. Eles revistavam todas as casas por onde passavam. Ao baterem à porta de Prestes, dona Júlia foi atender.
Ao saber que era a polícia, Prestes tentou fugir, mas a casa estava cercada. Ele logo é reconhecido, e os policiais recebem
a ordem de entrarem atirando. Um número indefinido de soldados e policiais civis avançou sobre dona Júlia, de metralhadoras
engatilhadas, em direção ao pequeno corredor por onde Prestes entrara. Foi então que aconteceu algo inesperado. Uma mulher
alta pula na frente de Prestes, protegendo-o com seu corpo, e dá um berro para os soldados. Não era um pedido de clemência,
mas uma ordem dada por Olga:
- Não atirem! Ele está desarmado!
O gesto inesperado deixou-os paralisados. Talvez por ser mulher, talvez por ter gritado com tanta energia, a verdade
é que se houve oportunidade para levar Prestes morto, ela não tinha sido aproveitada. Depois foi só trazerem o cachorro para
reconhecer seus donos. Sem revelar medo, Prestes pediu a Galvão para trocar de roupa mas não conseguiu:
- O senhor vai assim mesmo.
Na rua, tentaram colocá-los em carros separados, mas Olga percebeu que aquilo significaria a morte de Prestes. Agarrou-se
ao marido com tamanha força que não houve outra alternativa senão permitir que os dois fossem transportados juntos para a
sede da Polícia Central. Havia tantos policiais guardando-os dentro do veículo que Olga teve que ir sentada no colo do marido.
O comboio atravessou a cidade despertando os moradores das ruas por onde passava: sirenes ligadas, tiro para o alto, garrafas
de cachaça correndo nos caminhões que transportavam os 200 soldados molhados.
Quando desembarcaram no saguão do edifício, Olga e Prestes foram separados. Miranda Correia informou que eles seriam
ouvidos em salas diferentes. Prestes foi colocado dentro de um pequeno elevador, sempre acompanhado por policiais armados,
e ela levada para outra sala. Quando a porta gradeada do elevador se fechou, os dois se olharam pela última vez.
12 – A POLÍCIA SUICIDA BARRON
Logo ao chegar na policia central, Prestes foi informado de que Barron havia denunciado ele e depois se suicidado,
mas este negava-se em acreditar. Perguntas
como alguém poderia ter morrido pulando de uma janela que não dá para o solo e sim para um pátio que reduz a queda em um pavimento,
só aumentaram a desconfiança. Prestes ficou indignado com a notícia do "suicídio" de Barron e quando fora interrogado, apenas
respondia com monossílabos, quando respondia.
Filinto encontrou pilhas de documentos na casa em que Prestes
fora preso e algum dinheiro. Em um desses documentos surgiu o nome "tribunal vermelho": o processo pelo qual Elvira ou Garota
teria sido assassinada. Elvira fora acusada de traição pelo partido comunista. Ela foi interrogada por León-Jules Vallée e
logo depois executada por dirigentes do partido. Isso piorou muito a situação de Prestes, agora acusado também de assassinato.
A morte de Barron não era questionada pela imprensa brasileira. O governo americano monta uma comissão para apurar
a verdade dessa enigmática morte.
Após o esfriamento do caso Barron, a notícia de que Ewert e Elise estavam sendo torturados vazou à imprensa. Logo caiu
nos jornais e revistas de todo o mundo, que cada vez mais crucificavam o Brasil pelo tratamento aos estrangeiros. Mesmo assim
os policiais reagiam cinicamente afirmando que eles eram bem tratados.
13 – O EMBAIXADOR DO BRASIL NA GESTAPO
A esposa de Prestes, nos interrogatórios, insistia em dizer que era brasileira e que se chamava Maria Vilar. Porém,
após as investigações da polícia brasileira junto à GESTAPO, Polícia Secreta Nazista, descobriu-se tratar de Olga Benário,
uma agente comunista da Terceira Internacional.
Descoberta sua verdadeira identidade, Olga Benário foi mandada para outro presídio. Lá ficou numa cela coletiva junto
à sua amiga Sabo e outras mulheres que haviam participado direta ou indiretamente da revolta de 27 de novembro. Ao lado de
sua cela ficava uma cela masculina. Homens e mulheres trocavam através de um orifício na parede, informações secretas e também
palavras de amor. Inclusive nesta prisão encontrava-se o escritor Graciliano Ramos.
Nesse período de estadia na cadeia, Olga conviveu com uma gestação inesperada, estava para nascer o filho de Luís Carlos
Prestes. Um fato, entretanto, impedia que ela e seus companheiros de prisão pudessem desfrutar a perspectiva da maternidade.
A ameaça de expulsão do Brasil era cada vez mais concreta, e logo seria entregue ao governo nazista.
14 – UMA ESTRANGEIRA NOCIVA
A ameaça de expulsão incomodava muito Olga. Primeiro por que ela queria que seu filho nascesse no Brasil e segundo
porque ela correria risco de vida na Alemanha, uma vez que fosse judia e também comunista.
Num dos dias de visita na cadeia, Olga soube que iriam definitivamente expulsá-la e não perdeu tempo em conseguir um
advogado, Heitor Lima, que três dias após a aceitação da defesa proposta por ela entrou com pedido de habeas corpus. Ele pretendia
com isso evitar que Olga fosse entregue ao governo nazista.
O desfecho do pedido não podia ser mais trágico. O pedido de habeas corpus foi negado e com isso Olga e seu filho se
encaminhariam para a morte.
15 – REBELIÃO NA PRAÇA VERMELHA
Em função da notícia da não aceitação do pedido de habeas corpus de Olga, o presídio entrou em depressão. Tornou-se transparente, a partir daí, o ambiente de conspiração
na Casa de Detenção. A rebelião era fato esperado pôr ambas as partes, policiais e detentos, porém esta começou de maneira
curiosa, uma ratazana provocou barulho nos móveis alertando os policiais, que logo agiram e sofreram reação por parte dos
detentos.
Prestes, mesmo preso em um cubículo, ficou sabendo da rebelião, assim como de tudo o que ocorrera a Olga. A mãe e a
irmã dele, Leocádia e Lígia, em Moscou, souberam da prisão deste e de Olga e partiram para a Espanha. Organizaram campanhas
pela liberação de seus passaportes para o Brasil e pela libertação dos presos políticos deste mesmo país.
A campanha foi levada a vários outros países da Europa e do mundo, mas não alcançou os EUA, o que seria de fundamental
importância para repercussão no Brasil.
A temida expulsão de Olga, assim como a de Elise Ewert e Carmen Ghioldi, foram decretadas por Getúlio Vargas. Porém
a deportação não foi imediata, dando oportunidade a uma última tentativa de salvar Olga. Através de cartas e pedidos de habeas
corpus, Maria e Luiz Werneck de Castro tentaram adiar a extradição de Olga, o que não conseguiram. Heitor Lima também tentou,
ele escreveu uma carta à esposa do presidente, mas de nada adiantou.
A demora da deportação era justificada pelo fato deles estarem esperando um navio que fosse direto à Alemanha, pois
nos outros países inúmeras revoluções libertavam os presos dos navios durante as escalas. O La Coruña, navio que seria encarregado de levar Olga à
Alemanha, atracaria no cais do porto do Rio de Janeiro no dia 23/09/36. Sabendo disso, Filinto Muller organizou toda uma estratégia
para transportar Maria Prestes ao navio.
Carlos Brandes vai até a Casa de Detenção e convida Olga a sair do presídio com o pretexto de levá-la ao hospital,
para que esta tivesse o filho em segurança. Os detentos
não acreditam em Brandes e passam a abrir as celas, com as gazuas, espécies de chaves confeccionadas por um dos presos, que
estava reservada para casos especiais, ou arrombando-as. Sem poderem resistir, os presos aceitaram o acordo mas somente se
junto a Olga fossem dois outros presos. Isto de nada adiantou. Olga sequer chegou a descer no hospital. O comboio militar
seguiu até o cais do porto sob uma chuva fina e insistente. Quando foi retirada da ambulância, ainda deitada na maca, a caminho
da escada do navio, Olga pôde ver, rapidamente, entre os pingos de chuva, o nome La Coruña gravado no casco. Por um instante, teve esperanças de estar
sendo embarcada num navio espanhol. Mas ela moveu a cabeça um pouco, virou os olhos para cima e viu, tremulando no mastro
principal, uma bandeira com a suástica negra no centro. Era a bandeira da Alemanha de Adolf Hitler.
16 – NOS PORÕES DA GESTAPO
Dez quilos mais magra, Olga, grávida, foi levada para o La Coruña, navio alemão. O investigador João Guilherme Neuman foi encarregado de escoltá-la durante
a viagem. Ele contou a Olga que Elise Ewert também estava sendo embarcada, na cabine vizinha a ela.
Olga foi embarcada contra as leis da navegação por estar grávida. Ela pediu que instalasse uma companhia na sua cabine
para a eventualidade de sentir-se mal.
A primeira noite foi de insônia e vômitos por causa do movimento do navio e do barulho do motor. No primeiro dia, Olga
passou trancada na cabine, no segundo, ela e Sabo colocaram a cadeira no corredor e ficaram conversando. No quarto dia de
viagem o navio chegou a Salvador; foi uma parada rápida. Com o dinheiro que tinha, Olga comprou algumas coisas.
No dia 3 de outubro eles ultrapassaram a linha do Equador. Olga e Elise receberiam autorização após o jantar para olhar
pelas escotilhas o dirigível alemão Zeppellin.
Na noite de 12 de outubro o La
Coruña foi surpreendido com a presença de outro navio, mas era apenas um barco português perdido em alto-mar.
Às seis horas da manhã no dia 18 de outubro o navio atraca em
Hamburgo. A tropa de choque nazista estava ali para receber Olga e sua amiga.
Pouco depois do meio dia Olga chega a Berlim. Vai diretamente para a temida prisão de mulheres. Chegando lá ganhou
a roupa padrão das prisioneiras e cortou o cabelo rente a cabeça. A cela era um cubículo de dois metros por dois e com um
colchão fino sobre uma laje de concreto.
Olga ainda não tinha chegado a Hamburgo quando Lígia e Dona Leócadia receberam uma carta contando o que acontecera
à mulher de Prestes. No dia 11 de novembro foram ao quartel general da polícia secreta, elas queriam ver a mulher de Prestes,
mas o máximo que conseguiram foi deixar comida e roupas. Voltaram à França com a vaga promessa que seriam avisados do nascimento
do bebê.
Na madrugada de 27 de novembro de 1936, exatamente um ano após a fracassada revolução, nasceu Anita Leocádia, um bebê
gorducho e saudável.
Só no começo de fevereiro, quando Anita entrava no terceiro mês de vida, que Dona Leocádia e Lígia souberam do seu
nascimento. O ofício da Cruz Vermelha transmitiu à avó o risco que a garotinha corria: assim que o leite da mãe secasse, ela
seria entregue a um orfanato nazista.
A campanha organizada a partir da França passou a reclamar desde então, pela libertação de Prestes, no Brasil e de
Olga e Anita, na Alemanha. Dona Leocádia e Lígia se juntaram à irmã de Ewert.
No Rio de Janeiro, o jovem advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, cristão militante, resolve por conta própria defender
Prestes e Arthur Ewert perante ao Tribunal de Segurança Nacional.
Prestes rejeita a oferta de defesa alegando que Sobral é um homem de mentalidade burguesa sem capacidade ou desejo
efetivo de defendê-lo. Sobral Pinto não desistiu, recorreu a mãe de Prestes para que conseguisse convencer o filho a aceitar
a sua defesa. Meses depois Prestes recebe um bilhete de sua mãe e acaba mudando de idéia.
A primeira intervenção de Sobral Pinto foi tentar parar com as torturas a Ewert utilizando-se do código defesa aos
animais e também graças a Sobral Pinto, Prestes passou a receber cartas de sua mãe e foi através de uma delas que ele soube
do nascimento de sua filha.
17 – DONA LEOCÁDIA ENFRENTA A GESTAPO
A notícia de que era pai e de que Olga estava viva deu um novo ânimo a Prestes, além disso, Sobral Pinto conseguiu
que ele respondesse às cartas.
Em junho, Olga recebera novas notícias do marido. No dia 8 de maio Prestes fora condenado pelo Tribunal de Segurança
Nacional a dezesseis anos e oito meses a prisão; Arthur Ewert, a treze anos.
Por volta de julho de 1937, Dona Leocádia retornou a Alemanha para tentar negociar com a GESTAPO a libertação de Olga
e Anita. Mas eles não aceitaram sequer discutir o assunto, pois não consideraram nenhum parentesco entre Olga, Anita e Dona
Leocádia. A única pessoa que poderia ajudá-la era a mãe de Olga.
Dona Leocádia viajou para a capital da Baviera. Ao chegar na casa da mãe de Olga, encontrou uma mãe que rejeitava sua
própria filha.
Poucas semanas após o nascimento de Anita, Olga conseguiu enviar um requerimento a embaixada brasileira pedindo o registro
da recém-nascida como cidadã brasileira.
O advogado Sobral Pinto tentou levar o tabelião para que Prestes assinasse o requerimento de paternidade mais foi impedido
pela justiça. Cada vez que o tempo passava a angústia aumentava, pois a qualquer momento os nazistas poderiam tomar Anita
da mãe.
A insistência de Sobral Pinto conseguiu que o tabelião entrasse na cela de Pestes. Logo depois de Prestes assinar o
requerimento ele enviou-o para a Alemanha, e, assim, Dona Leocádia e Lígia conseguiram tirar Anita da mão dos nazistas.
18 – COM “SABO”, NA FRONTEIRA NAZISTA
Quando tiraram Anita de Olga, nada avisaram a ela. Ficou traumatizada, debilitada emocionalmente, quase ficando louca.
Ela acreditava que Anita havia sido enviada para uma creche nazista. Aos pouco foi se recuperando e voltou a fazer atividade
física e mental.
Depois de um mês ela recebeu a carta de Dona Leocádia que dizia que sua filha estava bem e com ela. Olga ressuscitou
e voltou a sonhar com a liberdade.
Nos primeiros dias de março ela foi transferida para uma nova prisão: a fortaleza de Lichtenburg. Ao chegar lá foi
conduzida a uma solitária. No sexto dia de solitária recebeu a visita clandestina de Gertrud Fruchulz, uma velha amiga de
Neukölln. Ela trazia alimentos para Olga, falou da fortaleza de Lichtenburg e contou que sua amiga Elise Ewert, Sabo, estava
ali.
As duas semanas seguintes Olga passou sem receber qualquer notícia, somente jogava xadrez e fazia exercícios físicos.
Quando saiu da solitária seu primeiro desejo foi ver Sabo: ela estava magra, tuberculosa e totalmente diferente.
Durante um ano e pouco que passou em Lichtenburg ela seria levada meia dúzias de vezes a Berlim para novos interrogatórios.
19 – ESCRAVIDÃO EM RAVENSBRÜCK
O Comboio que levava Olga sai de Lichtenburg rumo ao norte. Houve mudança no sistema penitenciário da Alemanha, transformando
as penitenciárias em estruturas mais modernas onde os presos pudessem ser usados de forma produtiva para a economia do Reich.
Assim que chega ao campo de concentração, Olga percebe organização e rigidez extremas. As mulheres eram "classificadas"
por um triângulo colocado no braço que identificava a razão por estar presa. Ela não foi identificada como comunista, como
já havia esperado, e sim como anti-social (pessoas indesejáveis à sociedade), pois era perigoso que ela ficasse junto a suas
parceiras.
Olga foi designada para por ordem no balcão em que se encontrava. Instalou hábitos de higiene, instigou a vaidade nas
presas. Depois, foi intimada a depor em Berlim e lá escreve um bilhete para a sogra.
As grandes indústrias utilizavam o contigente dos campos de concentração como mão-de-obra.
Olga recebe a notícia de que Sabo não resistiu a tuberculose que se agravou depois da chegada do inverno, e morreu
levando consigo os trauma da tortura.
Olga tentava explicar às prisioneiras pequenas noções das razões políticas que levaram àquela guerra.
Himler (homem de confiança de Hitler) chegou aos campos de concentração para uma visita e as presas foram trancadas
nas celas. Durante a inspeção do pelotão, uma mulher o xingou e ele ordenou que algumas mulheres fossem punidas como forma
de aviso. Oitenta mulheres foram escolhidas, dentre elas Olga Benário, que foi fortemente chicoteada.
Como Olga não desistia da idéia de dar noções políticas às presas, então resolveu confeccionar um atlas para facilitar
as explicações. Uma prisioneira delatou-a em troca de uma ração ou de um cobertor, não se sabe ao certo. Olga foi novamente
torturada. Ainda com muito ânimo encenou uma peça de teatro escrita e dirigida pelas prisioneiras. Tudo foi descoberto e as
presas foram levadas a passar a noite sem agasalho, no palco, sob o rigoroso inverno.
20 – A CAMINHO DA MORTE
O Campo de concentração já não era unicamente feminino, chegaram prisioneiros.
As notícias vindas por parte de prisioneiras recém-chegadas se opuseram ao otimismo de Olga: Hitler havia conquistado
boa parte da Europa.
Olga contraiu um vírus que quase a mata. A situação nos campos de concentração era de terror cada vez mais crescente.
Mulheres eram executadas sem motivos plausíveis. Além disso, existia mais um agravante: a chegada de médicos para realizarem
experiências genéticas com as presas.
O vírus da tuberculose era disseminado pelos médicos, e a todo momento mulheres morriam, mais claramente falando, assassinada
pelos médicos. Dizendo tratar-se de um vírus letal, eles aplicavam constantemente a eutanásia. Os médicos faziam outras experiências
a respeito de doação de órgãos e de defesa do organismo, usando como cobaia as prisioneiras.
Mas essas perversões tidas como pesquisas médicas não seriam o fim da loucura nazista. Até então as execuções praticadas
em Ravensbruck vinham sendo feitas individualmente. No começo do inverno de 1942 começaria a eliminação sistemática de judeus
e comunistas. Segundo notícias que correu entre os presos, o médico Fritz Menennecke teria a função de selecionar as mulheres
que poderiam ser utilizadas como mão de obra e as que seriam eliminadas nas câmaras de gás e nos fornos crematórios.
Os primeiros lotes de mulheres retiradas de Revensbruck deixaram em dúvida as que lá permaneceram: elas estariam apenas
sendo transferidas para outros campos ou seriam eliminadas. Elas combinaram que cada uma levaria um toco de lápis e um papel
onde deveriam colocar o nome do local para onde estariam sendo transferidas. Colocariam na barra da saia. A volta do caminhão
trazendo as roupas usadas pelas mulheres transferidas repetiam o mesmo nome: Bernburg. O que significaria isto?
Bernburg era uma cidadezinha situada a 100 quilômetros
a sudoeste de Berlin. O prédio mais imponente do lugar depois da igreja luterana era um hospital para tratamento de doenças
mentais. Neste hospital, seis dos 15 prédios de cindo pavimentos do hospital psiquiátrico foram ocupados por ordem de Himmler
e transformados em Propriedade do Reich - camuflando as atividades que a SS passaria a exercer ali.
No subsolo do Hospital foram construídos amplos cômodos com as paredes e o chão revestidos de azulejos brancos e de
cujo teto pendiam chuveiros. Parecia um local para banho coletivo. Nascia a invenção macabra do nazismo: a primeira câmara
de execução em massa de prisioneiros através de asfixia por gás venenoso. O primeiro teste foi realizado com os próprios alemães,
soldados que se negaram a bombardear posições republicanas na Espanha e por isso foram considerados desertores.
No começo de fevereiro de 1942, um pouco antes de Olga completar 34 anos, as mulheres foram reunidas no pátio central
de Revensbruck para ouvir nos auto-falantes do campo a relação das 200 prisioneiras que na manhã seguinte seriam "transferidas
para outros campos de concentração". Eram chamadas em ordem alfabética. Olga Benário Prestes seria a de número 150. Junto
com ela iriam as amigas Tilde Klose, Irena Langer e Rosa Menzer.
O alto-falante dava o último aviso: as prisioneiras relacionadas teriam 30 minutos para recolher seus pertences e se
apresentar à oficial. Meia hora foi o suficiente para que Olga escrevesse uma carta à filha e ao marido.
Dez dias depois, quando o caminhão voltou com as roupas das mulheres embarcadas naquela noite, Emmy Handke correu a
procurar o vestido de Olga. Apalpou a barra e dela tirou um pequenino pedaço de papel onde estava escrito apenas uma palavra:
Bernburg.
São Paulo, Brasil, Junho de 1945
Primeira manifestação de massas dos comunistas no estádio do Pacaembu desde o fechamento da ANL em 1935. Em 1943 Prestes
foi eleito secretário-geral do partido da conferência da Mantiqueira Igreja organiza uma novena de Nossa Senhora Aparecida
em advertência ao Partido Comunista.
O governo brasileiro solicita um reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética. Mulheres, estudantes e
profissionais liberais organizam comícios em todo país, exigindo a concessão imediata de anistia política aos presos e exilados.
Getúlio Vargas promete convocar eleições ainda naquele ano. Dutra apresenta-se como candidato governista à Presidência
e inclui na sua plataforma uma inacreditável bandeira: a legalização do Partido Comunista. Agora a reivindicação das ruas
é pela anistia e pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte.
Em 18 de abril, Vargas assina um decreto que concede anistia aos presos políticos. Antes mesmo que o ato fosse publicado
no Diário Oficial, os cinco primeiros beneficiários da medida deixam as prisões. Dentre eles estava Luís Carlos Prestes que
ao sair pergunta sobre o destino de Olga e de seu amigo Arthur Ewert, que tinha sido beneficiado pela anistia mas que talvez
não tivesse condições de desfrutar da liberdade pois estava internado no manicômio no Rio de Janeiro. Quanto a Olga, não tinha
nenhuma informação. Naquele momento, porém, quem elogiava o presidente da República era Luís Carlos Prestes que havia sido
vitimado pela repressão dirigida por Vargas. A primeira reação contra o apoio de Prestes a Vargas parte de seu antigo advogado
Sobral Pinto que condena qualquer união nacional com o senhor presidente.
A manifestação no estádio do Pacaembu teve a participação de grandes intelectuais e de uma grande massa popular. Depois
da manifestação foi em direção à estação Roosevelt, onde tomaria um trem de volta ao Rio de Janeiro. Cercado de amigos ele
se preparava para subir a escada do vagão-leito, quando um jovem chegou correndo, abrindo passagem entre os que se despediam
do chefe comunista:
- Capitão Prestes! Capitão Prestes! Um momento, não embarque!
Temeu-se uma tentativa de agressão, mas o rapaz se identificou:
- Sou repórter da agência de notícias United Press. Nós tínhamos pedido às sucursais européias que buscassem informações
sobre Olga Benário, e acabamos de receber este telegrama sobre ela, enviado pelo correspondente em Berlim.
Ansioso, Prestes levou o pedaço de papel aos olhos e leu-o com o rosto crispado, diante do silêncio dos amigos que
o fitavam. Levantou a cabeça e disse apenas três palavras:
- Olga está morta.
Era um despacho curto, sem muitos detalhes:
Berlim - As autoridades aliadas acabam de informar que entre as 200 mulheres
executadas na câmara de gás da cidade alemã de Bernburg, na Páscoa de 1942, estava a senhora Olga Benário, esposa do dirigente
comunista brasileiro Luís Carlos Prestes.
Prestes entrou no que já começava a se movimentar rumo ao RJ, caminhou por entre as poltronas em silêncio, sentou-se
e leu mais uma vez a notícia, antes de guardar o papel no bolso do paletó.
Só muitos anos depois é que ele receberia a última carta que Olga escrevera a ele e à filha, ainda em Ravensbrück,
na noite da viagem de ônibus para Bernburg.
"Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam
o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para
mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera
poder pentear-te, fazer-te as tranças - Ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado.
Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio,
não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida,
como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que
esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido
é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia,
mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos,
tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia
feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes
por nossa filha?
Querida Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje
as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me
de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão
breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as
nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não
terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim
saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei
firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã.
Beijos pela última vez. Olga"